Depois da tragédia de Pedrógão achei, sinceramente, que Portugal jamais teria de assistir a um horror semelhante. Depois de 65 pessoas terem perdido a vida nos incêndios achei, tão sincera quanto ingenuamente, que não voltaríamos a passar pelo mesmo. Que a consternação, os lamentos, a indignação, os eternos inquéritos, os períodos de reflexão, serviriam para alguma coisa. A tragédia de Pedrógão só podia ter servido para isso, para que os erros não se repetissem. Mas passaram quatro meses (não foram quatro anos, não foram quatro décadas, foram quatro MESES) e voltamos a estar perante o mesmo cenário. Adormeci à uma e tal da manhã, já com três vítimas mortais contabilizadas, e de repente acordo e já vamos em 29. Estou tão estupefacta como há quatro meses. Mentira, estou mais, porque não me passou pela cabeça que esta merda fosse possível. De novo.
Há vidas perdidas. Há famílias destruídas. Há quem tenha perdido tudo. Há património florestal que é de todos e que levará anos e anos a ser recuperado. Há bombeiros de rastos, com poucos meios, a lutarem até à exaustão. Há um país cheio de medo e que começa a perceber que está completamente sozinho e desprotegido. E há a atitude absolutamente leviana de quem manda nisto. Eu já nem peço soluções, que parece que isso é pedir muito, só peço um bocadinho de empatia, de tacto, de humanidade. É o secretário de Estado da Administração Interna que diz que "não podemos ficar à espera que apareçam os nossos bombeiros e aviões para resolver o problema", é o Primeiro-Ministro que diz que "não há soluções mágicas" e que situações destas se irão repetir (aproveitando para fazer campanha e apontar o dedo aos governos anteriores), é a ministra da Administração Interna que, quando não está em modo anémona está a dizer que "sim, se calhar o mais fácil era demitir-me e ter as férias que não tive, mas isso não resolve nada".. . férias? É mesmo essa a prioridade neste momento? A sério, vão todos para o caralho.
Perdi a paciência e a boa vontade: VÃO TODOS PARA O CARALHO. Parem de gozar com a nossa cara, parem de assobiar para o ar, parem de fazer com que tudo pareça normal, aceitável, inevitável, parem de dizer que estamos perante "uma situação excepcional" (outra??), parem de dizer que estão a fazer todos os possíveis, porque já se percebeu que "todos os possíveis" são manifestamente insuficientes. Enfiem-se no meio de uma floresta a arder, ponham a vossa família, a vossa casa, o vosso terreno, toda a vossa vida em risco, e depois repitam para vocês mesmos essas merdas que andam a dizer. Que não se pode estar à espera dos bombeiros, que têm de ser vocês a pegar numa mangueirinha e a tentar travar o incêndio, que não há soluções mágicas, que é o salve-se quem puder.
A sério, façam essa experiência. Ou tenham só a humildade de dizer que erraram a toda a escala, que são uma vergonha no que toca a prevenção e a planeamento florestal, que são uma vergonha no que toca ao tratamento dado a criminosos que ateiam fogos, que são uma vergonha nos meios dados aos bombeiros e na forma como os tratam, que são uma vergonha na formação dada às populações, que o SIRESP se tornou uma comédia, que a forma como o apoio às vítimas chega tarde e a más horas. Já não esperamos nada, mas um pedido de desculpas era capaz de cair bem. Só isso. E que depois, se ainda conseguirmos, comecemos a reerguer-nos.
Foto: LUSA/Paulo Novais