Foi há uns meses que uma das minhas cunhadas, vegan, me sugeriu que visse uns documentários sobre alimentação. Não tenho grande paciência para estas temáticas, menos ainda para correntes altamente fundamentalistas, mas dei o braço a torcer e lá vi o documentário. Houve várias coisas que me fizeram sentido, nomeadamente o facto de todos nós andarmos a comer muito mais proteína do que aquela que efectivamente precisamos para a nossa sobrevivência, e sugeri que lá em casa se começasse a fazer o esforço de ingerir menos proteína animal. Não cortar radicalmente, mas comer menos e, já agora, melhor. Verdade que nunca se comeu muita carne, basicamente só comprava frango e peru, mas depois há sempre aquele jantar que mete bifes, ou aquele domingo em que se a mãe faz cozido, ou, ou, ou, ou. No meio de tantas excepções, vai-se a ver e comemos carne com fartura. E peixe igual.
O homem, mais dado a radicalismos, no dia seguinte ao documentário cortou com tudo: carne, peixe e derivados. E assim se manteve até hoje, muito feliz com a sua decisão. Eu achei aquilo uma loucura, lá era capaz de deixar o meu peixinho, e a minha carninha, e o meu queijinho e os meus iogurtes. Na na na. Fiz só uma redução, mas continuei a comer de tudo. Mas fui assistindo ao processo dele, fui experimentando algumas receitas vegan que ele cozinhava, começámos a frequentar alguns restaurantes vegetarianos e comecei a dizer que ia fazer uma experiência durante um mês. Mas só mesmo uma experiência, para provar que aquilo era tudo ridículo, que os vegans são uns chatos do caraças (ainda mais do que os vegetarianos) e que é impossível viver sem bitoques, frango assado ou pastéis de nata.
A verdade é que ia sempre adiando a data de começo da experiência porque
... não me apetecia. Não me sentia preparada para abrir mão de todas as coisas boas que adoro comer, mesmo que fosse só por um mês. Acabou por ser o factor peso a ditar o arranque da experiência. Depois de voltar de Nova Iorque com quase 60 quilos, e depois de ter visto que o homem tinha perdido cinco quilos no seu primeiro mês como vegan, pensei "pronto, é agora, se isto não servir para mais nada, ao menos serve para perder peso". E pronto, foi assim que, a 13 de Setembro, decidi iniciar uma dieta vegan. Não fui vegan mesmo, mesmo a sério, porque isso estende-se a outros campos que não a alimentação (roupa, produtos de higiene, etc), mas tentei seguir uma dieta vegan. Durante um mês, e com o coração em sangue, estava preparada para não tocar em carne, peixe, leite, ovos, natas, manteiga, nada de nada.Hoje, exactamente um mês depois, aqui estou eu a relatar-vos a experiência. Que teve coisas boas e coisas más.
Comecemos pelas más:
- Ser vegan é extremamente chato e desafiante. É passar o dia a pensar no que se pode e não se pode comer. É passar a vida a fazer tetris com os alimentos, tira daqui e põe dali. O que mais me custou foi ir a restaurantes e estar sempre a pedir para fazerem alterações nos pratos. "Ai, desculpe, mas eu não como carne, nem peixe, nem MERDA nenhuma, porque tive esta ideia estúpida e agora estou condenada a comer aipo e folhas de alface durante um mês". Se havia sítios que eram muito compreensivos, outros havia em que os funcionários olhavam para mim com aquele ar de "pronto, mais uma doida cheia de manias alimentares". A minha conclusão foi: sim, os vegan perdem peso porque se levarem a coisa mesmo, mesmo a rigor, NÃO TÊM NADA PARA COMER!
- Se quisermos ser vegan mas continuar a frequentar restaurantes "normais", isso implica passar o resto da vida a fazer pedidos especiais. Mas depois a pessoa não se lembra dar as 1500 indicações necessárias, "atenção que não pode ter queijo, nem natas, nem manteiga, nem ovo, nem porra nenhuma". E então acontecem coisas como achar que se fez uma escolha espertíssima ao pedir só um esparguete com pesto e ele chegar à mesa já com queijo ralado, porque não nos ocorreu detalhar toooooda a extensa lista do que não se pode comer. Coisas deste género aconteceram-me algumas vezes, mas fui incapaz de mandar os pratos para trás. Conclui-se que quase tudo leva algum ingrediente animal, o que torna a vida num pequeno inferno.
- A grande maioria dos restaurantes ainda não tem opções vegetarianas, quanto mais vegan. E se nas cidades maiorzitas uma pessoa ainda se safa (descobrimos um vegetariano maravilhoso em Évora), indo mais para o interior do país é para esquecer. O meu ponto máximo de ridículo aconteceu no fim-de-semana no Alentejo, em que dei por mim a pedir "um bitoque, mas sem carne". Acho que não se pode bater mais no fundo.
- Ser vegan implica passar a vida a explicar coisas, é como viver permanentemente num interrogatório da PJ. Eu só o fui durante um mês, e perdi a conta ao número de vezes em que me perguntaram:
- Mas porquê?
- Então e onde é que vais buscar a proteína?
- Mas não podes mesmo comer carne?
- E isso vai ser para sempre?
- Ah, mas ovos não faz mal, pois não?
- Não te sentes mais fraca?
- Não sentes falta de nada?
Preparem-se, se houver um vegan na mesa, 90% da conversa vai ser em torno deste assunto. TÉDIOOOOOOO! Eu tentei contar ao menor número de pessoas possível, precisamente para não estar a aturar perguntas a toda a hora, mas nem assim me esquivei. Ainda assim, os verdadeiros vegan a-do-ram falar sobre o tema, é impossível conhecerem alguém e não contarem logo que são vegan. É uma coisa que não conseguem guardar só para eles, fazem questão de partilhar com o mundo e falar sobre isso até os outros já estarem a sangrar dos ouvidos.
- Para quem, como eu, comeu normalmente durante 36 anos e que tem prazer a comer carne e peixe, não é fácil abrir mão de tudo. Não é mesmo. Ao ponto de nem o cérebro estar preparado para isso. Quantas e quantas vezes não pensei "vou lanchar um pão com fiambre", e depois "ah, merda, não dá". Ou "vou ali comprar um bolo", e depois "ah, merda, leva ovo ou manteiga, não dá". Ou estar num buffet de sushi, a escolher só peças vegetarianas, e sem dar por isso meter no prato uma peça com salmão. Foi completamente involuntário, nem pensei (e não, não a comi).
- O mais difícil para mim foi, sem dúvida, o pequeno-almoço. Um vegan está muito condicionado ao pequeno-almoço, porque não pode beber leite (há as alternativas, tipo leite de amêndoas, de soja, de arroz, mas odeio isso tudo), não pode comer iogurtes, não pode comer manteiga, queijo ou fiambre. Então como o quê, pessoas de Deus???? "Ah, come um pãozinho com doce, ou com manteiga de amendoim". Blhéc e blhéc. Não é nada disso que me apetece pela manhã. NADA! Então lá bebia um sumo de laranja, lá fazia um chá, lá comia umas tostas com abacate (muito abacate comi eu, senhores), umas bolachas... não ficava com fome, mas também não era assim aquele pequeno-almoço de sonho. E ao lanche a mesma coisa. E vão lá tentar tomar o pequeno-almoço ou lanchar fora de casa? Ui, impossível, nem tentem.
- Então e doces? Ainda na fase de planeamento, eu achava que a parte dos doces ia ser a pior de todas. Eu adoro chocolate, como chocolate todos os dias, só gosto do de leite, não suporto chocolate preto, como é que ia ser? Olhem, passou-se. Fiz uma pequena asneira (falo disso mais abaixo), mas passei um mês praticamente sem tocar em chocolates, em gomas, em todas essas coisas maravilhosas que Deus nos deu. Contentei-me com OREO (são vegan, milagre!!!) e com pipocas.
- É praticamente impossível não cometer alguns deslizes, sobretudo quando não se é fundamentalista da coisa. Eu não sou, não fiz mal a ninguém, por isso uma vez por outra lá dei por mim a pecar. Não toquei em carne ou peixe, nem sequer uma vez, mas:
- Num dia em que estava quase a desmaiar de fome, um daqueles dias particularmente loucos em que eram seis da tarde e só tinha comido uma bolacha e bebido um chá às nove da manhã, baixou uma coisa má em mim e acabei nos Pastéis de Belém a enfiar dois pastéis pela goela. Foram só dois, podia ter sido pior, mas foi um dia tão, tão stressante, que achei que merecia. Soube-me pela vida e não me arrependo.
- Pontualmente, aconteceu uma ou outra das situações acima descritas, em que pedia um qualquer prato saudável e depois lá vinha com queijo ralado, ou descobria que tinha natas, ou manteiga, ou coisa que o valha. Nunca mandei para trás, tinha vergonha de ser picuinhas a esse ponto;
- No tal fim-de-semana no Alentejo, durante uma prova de vinhos puseram-nos um prato de queijos e enchidos à frente. Foi a verdadeira prova dura, foi como se me espetassem facas nos rins. Não toquei no chouriço, mas comi duas ou três fatias de queijo;
- Ainda durante esse fim-de-semana, num dos restaurantes a que fomos não havia mesmo nada que eu pudesse comer, além de sopa. Ora eu não me fico só com uma sopa e também não me estava a apetecer comer folhas de alface, por isso pedi uns ovos mexidos com espargos.
- Comi quatro barrinhas Kinder. Shame on me.
- Num dos últimos dias de muito, muito calor, comprei um gelado para o Mateus e não resisti a comprar um para mim também.
E pronto, assim de repente foram estes os grandes pecados. Nada de muito grave, mas a pessoa sente-se quase como se estivesse a assaltar os próprios pais, é uma vida muito triste.
Então e as coisas boas? Também as houve. A saber:
- O peso. É verdade, a balança mexeu-se. Comecei com 60 quilos (59,9, para sermos mais precisos) e esta manhã estava nos 56,5. Também baixei a massa gorda em três por cento, esta manhã estava nos 20,1%. Tendo em conta que não fiz nenhum exercício, foram valores bastante simpáticos.
- Fiz análises para perceber que impacto é que isto tinha tido a nível de saúde. Fiquei absolutamente surpreendida com o valor do colesterol, que toda a minha vida esteve acima dos 200. Nas últimas análises estava nos 223, nas análises que fui buscar ontem estava a 100. Uau! Todos os valores estavam óptimos, à excepção da ferritina, que estava um pouco baixa. Mas sempre esteve, mesmo antes da experiência vegan. A minha médica viu as análises e disse que, apesar dos valores baixos, não estava anémica, portanto safei-me. E nunca me senti fraquinha, apática ou em baixo.
- Achei que fosse muito mais difícil não comer carne e peixe do que foi na realidade. Nunca houve um dia em que tivesse daqueles desejos absolutamente incontroláveis. Achei que o pior seria o sushi, mas as versões vegetarianas que experimentei eram igualmente óptimas, portanto nem aí senti muita falta.
- Nas cozinhas vegan e vegetariana há coisas realmente boas, que foram uma surpresa e que fizeram com que a experiência fosse mais fácil. Descobri óptimos restaurantes e percebi que se tivesse alguém a cozinhar-me aquelas coisas todas em casa, conseguia ser vegan a vida toda. O problema é que em casa nem sempre temos o mesmo jeito ou criatividade, e por isso as refeições tendem a tornar-se um bocadinho monótonas. Se não queremos estar sempre a comer wok de vegetais, é preciso puxar pela criatividade, pelos temperos e pela paciência para fazer novas experiências. Tornei-me uma cliente fiel
- Tendencialmente, os vegan e os vegetarianos comem melhor. Claro que também há muita merda que podem comer, se quiserem podem entupir-se de batatas fritas, claro, mas ao não comer carne e peixe, pareceu-me haver uma tendência generalizada para comer menos e para não comer todas as coisas que, geralmente, acompanham os pratos de carne e peixe. Acho que a minha perda de peso se deveu muito mais a ter reduzido a quantidade de hidratos, lacticínios, doces, molhos, etc, do que propriamente a não comer carne e peixe.
Atirando tudo para a balança, diria que a experiência foi muito mais positiva do que negativa. Não gosto daquela coisa de saber que não posso comer determinadas coisas, não gosto de saber que este tipo de alimentação condiciona, de alguma forma, a minha vida, mas gosto de saber que a minha saúde melhorou e que comi de forma mais saudável. Ainda assim, e por muito que se leia, e que se veja, e que se ouça, continuo a não estar muito segura de que eliminar totalmente a carme e o peixe das nossas vidas seja a ideia mais esperta de todas. Não faltam mil correntes a defender cada um dos lados, mas continuo sem certezas. E isso faz com que, por exemplo, não seja capaz de impor uma alimentação vegan ou vegetariana ao Mateus. Na escola continuou a comer de forma normal, e em casa variava. Umas vezes comia o mesmo do que nós, noutras cozinhávamos carne ou peixe para ele.
Hoje é o último dia da minha experiência vegan e, sinceramente, não sei como vai ser daqui para a frente. Tooooda a gente me pergunta qual vai ser a primeira coisa que vou comer quando isto acabar, mas não sei mesmo. Em primeiro lugar, porque não senti uma falta louca de nada. Em segundo, porque não sei bem que tipo de alimentação vou adoptar a partir de agora e acho que também não me vou sentir bem se agora largar a comer todas as porcarias e mais algumas. Acho que chegarei a um meio-termo, que era o que eu queria fazer desde sempre: reduzir largamente o consumo de proteína animal (sobretudo os lacticínios), sem a cortar completamente. Por exemplo, seguindo uma dieta vegetariana (não vegan, esqueçam lá isso) durante a semana e deixando para o fim-de-semana qualquer coisa que me apeteça mais.
Convenhamos, a vida sem croquetes também não tem gracinha nenhuma.