O Mateus está a entrar na fase dos medos. Ele é o medo do escuro, ele é o medo de ficar sozinho à noite, ele é o medo de uma data de coisas. Tento descomplicar, explicar-lhe as coisas de que tem medo, para que perceba que não há nada a temer, mas nem sempre dá. Ontem íamos no carro e ouço-o lá atrás: "mãe, tenho medo dos lobos maus". Muitas histórias infantis continuam a insistir em fazer do desgraçado do lobo o mau da fita, e depois os pais é que se lixam. Mas bom, o Mateus ia com esta conversa do lobo quando eu lhe disse "mas não precisas de ter medo, sabes porquê? Para já, porque os lobos estão muito longe. E mesmo que aparecesse um lá em casa sabes o que é que a mãe lhe fazia, sabes? Dava-lhe um soco no nariz e depois ainda lhe batia com um pau". O miúdo acha muita graça a esta visão de uma mãe que é capaz de aviar um lobo à porrada, mas depois tive de reconhecer que devia ter arranjado uma explicação mais politicamente correcta. E honesta, vá.
Para começo de conversa
, se entrasse um lobo cá em casa eu era a primeira a pôr-me ao fresco, o puto que se desenrascasse. Que me lembre nunca se proporcionou estar frente a frente com um lobo, mas assumo, sem vergonhas, que era menina para soltar uma pinguinha. Depois, não é bonito querer bater no lobo, porque se já não se atira o pau ao gato, também não se vai agora dar um enxerto no desgraçado do lobo. Para quem não tem putos e não está atento à evolução das músicas tradicionais infantis, deixem-me que vos informe que a letra do "Pau ao Gato" passou a:
Para começo de conversa
, se entrasse um lobo cá em casa eu era a primeira a pôr-me ao fresco, o puto que se desenrascasse. Que me lembre nunca se proporcionou estar frente a frente com um lobo, mas assumo, sem vergonhas, que era menina para soltar uma pinguinha. Depois, não é bonito querer bater no lobo, porque se já não se atira o pau ao gato, também não se vai agora dar um enxerto no desgraçado do lobo. Para quem não tem putos e não está atento à evolução das músicas tradicionais infantis, deixem-me que vos informe que a letra do "Pau ao Gato" passou a:
Não atire o pau ao gato-to-to
Porque isso-sso
Não se faz-az-az
O gatinho-nho
É nosso amigo-go-go
Não devemos maltratar
Os animais
MIAAAAUUUUUU!!!!!!
Boooom, muito haveria a dizer sobre "o gatinho é nosso amigo". Pessoalmente, acho o "gatinho" um bicho um bocado cínico e capaz de nos vazar uma vista se nos distrairmos um segundo, mas tudo bem. Pelo sim, pelo não, quando estiverem perto de um mantenham um pau à mão, não vá ser preciso voltar à versão antiga da música. Mas voltando ao lobo e ao soco que eu estava a pensar aplicar-lhe no nariz. Não é, de facto, uma boa ideia, até porque o lobo é bicho para se lhe dar os nervos e me arrancar uma mão à dentada. Por isso, optei por inventar toda uma história em torno do lobo para ver se o Mateus perde o medo.
Foi ele o primeiro a dizer que "as florestas onde os lobos moram são muito longe", e eu agarrei logo nisso para lhe explicar que sim senhora, que os lobos levam uma vida desgraçada, que têm de apanhar o autocarro de cada vez que querem vir à cidade. Não pegou, ouvi de imediato um "os autocarros são para as pessoas, não são para os lobos". Sacanas dos putos, três anos e já com tão pouca imaginação. Mas não me deixei ficar, e insisti na história: "É verdade, amor, é mesmo verdade. Os lobos vivem muiiiiiito longe, chegam a ser oito apinhados num pequeno T-zero ali na zona da Bobadela, então têm de apanhar dois autocarros. Primeiro apanham o 58 até à Damaia, e depois o 36 para o Rossio. É uma chatice, porque levam para cima de duas horas a chegar e vêm ali metidos no meio de apertos, inclusive com o focinho encaixado no sovaco de algumas pessoas pouco dadas a banhos. Mas são uns santos, não fazem mal a ninguém. Há um que até trabalha ali na repartição de Finanças do Areeiro, é uma jóia, o lobo Antunes, e nem é daqueles que fazem pausas para café a cada dez minutos. Mas pronto, Mateus, isto para dizer que os lobos são honestos e bonzinhos, não fazem mal, por isso não precisas de ter medo".
Não sei se o convenci. Passaram quase 24 horas e não voltei a ouvir falar no lobo, mas cheira-me que brevemente serei chamada à escola para explicar que história é essa de o lobo morar na Bobadela.
Foi ele o primeiro a dizer que "as florestas onde os lobos moram são muito longe", e eu agarrei logo nisso para lhe explicar que sim senhora, que os lobos levam uma vida desgraçada, que têm de apanhar o autocarro de cada vez que querem vir à cidade. Não pegou, ouvi de imediato um "os autocarros são para as pessoas, não são para os lobos". Sacanas dos putos, três anos e já com tão pouca imaginação. Mas não me deixei ficar, e insisti na história: "É verdade, amor, é mesmo verdade. Os lobos vivem muiiiiiito longe, chegam a ser oito apinhados num pequeno T-zero ali na zona da Bobadela, então têm de apanhar dois autocarros. Primeiro apanham o 58 até à Damaia, e depois o 36 para o Rossio. É uma chatice, porque levam para cima de duas horas a chegar e vêm ali metidos no meio de apertos, inclusive com o focinho encaixado no sovaco de algumas pessoas pouco dadas a banhos. Mas são uns santos, não fazem mal a ninguém. Há um que até trabalha ali na repartição de Finanças do Areeiro, é uma jóia, o lobo Antunes, e nem é daqueles que fazem pausas para café a cada dez minutos. Mas pronto, Mateus, isto para dizer que os lobos são honestos e bonzinhos, não fazem mal, por isso não precisas de ter medo".
Não sei se o convenci. Passaram quase 24 horas e não voltei a ouvir falar no lobo, mas cheira-me que brevemente serei chamada à escola para explicar que história é essa de o lobo morar na Bobadela.