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Channel: A Pipoca Mais Doce
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Diz que é uma espécie de desabafo

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Quando este blog nasceu, corria o ano de mil setecentos e vinte, mais coisa menos coisa, nasceu porque eu gostava MUITO de escrever. Nunca soube muito bem o que queria fazer na vida, mas sabia que queria escrever, e isso soube-o desde muito nova. Passei pela fase dos jornalinhos, dos poemas, dos contos, fiz de tudo. Lembro-me de o Diário de Notícias ter um suplemento chamado DN Jovem, para onde miúdos entre os 12 e os 25 anos enviavam os seus textos, na esperança de os verem publicados. Todas as semanas corria para comprar o DN, na expectativa que lá viesse algum texto meu, e aconteceu algumas vezes. Não imaginam o que aquilo significava para uma miúda de 13 ou 14 anos. Porque era isso que eu gostava de fazer e ter algum reconhecimento era absolutamente incrível.

Quando chegou a hora de ter de escolher a área era óbvio que só podia seguir Letras, e quando tive de começar a pensar num curso superior também era óbvio que só podia ir para Jornalismo. Não tinha aquela coisa da notícia, da investigação, de conseguir manchetes. Fui para Jornalismo porque, objectivamente, era a profissão que me permitia fazer aquilo que eu mais gostava. Curiosamente, quando tive de escolher um estágio a minha primeira opção foi rádio, e lá passei três meses entre a Antena 1 e a Antena 3 (adorei, a paixão da rádio ficou para sempre). Mas, pelo meio, surgiu  uma vaga para estágio na secção de cultura do jornal A Capital e eu não a deixei escapar. Estava das cinco da manhã à uma da tarde na rádio, e depois entrava às três no jornal e era até dar. Não me queixava, , queria era aprender e ter o máximo de experiência. 

Quando me convidaram para ficar no jornal disse que sim imediatamente. Tinha acabado o curso há três meses, era fantástico ter arranjado logo emprego e, ainda por cima, a fazer o que gostava. N´A Capital fiz um bocadinho de tudo. Escrevia sobre cultura, mas também fazia grandes entrevistas, reportagens, tinha uma crónica ao fim-de-semana, foram tempos mesmo muito bons em termos de escrita. E também foi também nessa altura que o blog nasceu. Em primeiro lugar, porque por mais liberdade criativa que me dessem no jornal - e davam muita - não podia escrever sobre tudo o que me apetecesse, da forma que me apetecesse. Em segundo, porque tinha começado a fazer um curso de escrita humorística com o Ricardo Araújo Pereira e o blog era uma boa plataforma para ir publicando os textos que ele nos pedia. 

O blog nasceu assim: porque queria escrever, porque queria um espaço meu para o fazer. Há 13 anos ninguém imaginava o crescimento que os blogs viriam a ter. Ninguém sonhava que viesse a ser possível alguém criar um blog e viver dele. Eu, pelo menos, estava longe de o imaginar. Tinha um blog para escrever todas as parvoíces que me viessem à cabeça, sobre todos os assuntos, escrito no registo que eu queria, com sarcasmo e com humor. Aos poucos, e sem eu fazer nada por isso, o blog foi crescendo. Primeiro vieram os amigos, depois os amigos dos amigos. Não havia Facebook nem grandes redes sociais, por isso foi tudo muito na base do passa-palavra. 

E não consigo explicar-vos como eram esses tempos de total liberdade, de como me divertia. As coisas eram diferentes. Mesmo quem não gostava do que eu escrevia manifestava-o de forma relativamente cordial, não havia esta quase perseguição, esta caça às bruxas, esta vontade de indignação, esta picuinhice, esta irritação com tudo, mesmo com as coisas mais inócuas. Acredito que o facto de não haver Facebook ajudava bastante à não proliferação da parvoíce generalizada, mas enfim, é o avanço dos tempos, e o Facebook também tem muitas vantagens (quando utilizado por gente com cérebro), por isso não vou estar aqui armada em velha do Restelo.

Ora isto tudo para dizer o quê? Para dizer que à medida que o blog foi crescendo, que deixou de ser anónimo e que passou a haver uma cara e um nome para "dar porrada", perdi MUITA da minha vontade em escrever. Aliás, não perdi vontade de escrever, perdi foi vontade de ter opinião sobre o que quer que fosse e de a manifestar. Porque é um exercício muito, muito, muito, muito cansativo ter de estar sempre a exercer auto-censura, ter de estar sempre a tentar adivinhar quem é que se vai chatear com o quê, ter de receber dúzias de comentários ofensivos (não me refiro a opiniões contrárias, refiro-me ao insulto gratuito), ter de estar sempre com medo que deturpem as minhas palavras, que me transformem na polémica do dia, que a imprensa lance mais achas para a fogueira. 

É, obviamente, o preço a pagar pelo crescimento do blog e por haver quem dê a cara por ele, mas acreditem que é mesmo muito desgastante. Muitos de vocês dirão "ahhh, caga nisso, escreve o que te apetece", e eu sei que o fazem por manifesta boa-vontade e simpatia. Mas, lá estão, depois não são vocês que sofrem as consequências na pele, não é a vossa sanidade mental que se vê bombardeada diariamente. Se alguns já ficam nervosos com alguns comentários que me deixam e me estão sempre a perguntar "como é que aguentas isto?", imaginem o que é vivê-lo SEMPRE, com coisas ainda mais agressivas. 

E agora é a parte em que alguns outros dirão: "tens bom remédio, fecha o blog". Certo. Nada que não me tenha já passado pela cabeça. Tenho dois bracinhos, tenho saúde, sei que arregaço as mangas e me dedico a qualquer outra coisa, tranquilamente. Mas, mais do que ser o meu trabalho, este é um projecto ao qual tenho muito amor. Cresceu do nada, cresceu sozinho, não tive cunhas nem favorzinhos e, gostem mais ou gostem menos, tenho muito orgulho nisto e em tudo o que já me proporcionou (profissional e pessoalmente). 

A Pipoca não sou eu, há variadíssimas dimensões do meu ser que não são aqui expostas (por mais que achem que sim), mas é óbvio que é muito de mim. Mas o que tenho vindo a sentir cada vez mais é que me vou deixando anular, sobretudo porque não quero chatices, porque não quero gente a foder-me o juízo (desculpem lá, é mesmo assim, a foder-me o juízo), a tecer juízos de valor, a ser mal intencionada, cruel, a fazer interpretações muito próprias (e distorcidas) de cada palavra que escrevo. Acreditem, é esgotante. Quantas vezes não dou por mim a escrever qualquer coisa, depois leio os comentários que me deixam e pergunto-me "mas como é que alguém fez esta leitura a partir daquilo que eu escrevi? Está tudo bêbado?". Há anos que ando a dizer que o Ministério da Educação não anda a fazer o trabalhinho devido no que toca à interpretação da língua portuguesa, mas ninguém me ouve. 

Olho para os novos humoristas que vão aparecendo e sinto inveja pura. Porque já tive a liberdade que têm, já pude escrever tudo o que me apetecia sem que estivessem sempre a infernizar. E, infelizmente, vejo que à medida que vão crescendo e ganhando mais projecção, começam a ter de refrear-se, a ser mais comedidos, a pedir desculpas em antecipação, a explicar piadas, a dar justificações. A verdade é que, por mais inofensivo que seja o tema, haverá SEMPRE alguém a sentir-se ofendido ou milindrado, por isso é quase impossível escrever sobre o que quer que seja. Há uns tempos, numa entrevista que dei ao Expresso sobre os limites do humor, dizia que ser humorista é praticamente uma profissão de alto risco nos dias que correm, e é mesmo verdade. E ou se persiste e se tenta ignorar (tão difícil) ou não conseguimos vencê-los, juntamo-nos a eles e acabamos por calar-nos. 

Este não é um texto de lamentação, nada disso. É precisamente o contrário. É um texto para dizer que estou farta que me mandem calar, que se sintam ofendidos (quase sempre sem razão nenhuma), que tenham atitudes incendiárias e andem sempre a tentar inventar polémicas onde elas não existem. O blog tem quase treze anos e sempre teve o mesmo registo. Sempre foi humorístico, corrosivo, sarcástico, por isso não sei o porquê de tanta indignação. Este foi o registo que escolhi para o MEU espaço, e quem não gosta tem muitos outros sítios por onde se entreter. Há milhares de blogs absolutamente inócuos, que não são carne nem peixe, onde os autores nunca assumem nenhuma posição sobre nada, onde parecem ter sempre medo de dar uma opinião. Não é isso que quero para mim. Quero ter uma voz e, sobretudo, quero que o blog seja uma diversão mais do que uma obrigação.

Ontem, uma pessoa muito perto de mim profissionalmente, dizia que quem gosta do blog sabe quem sou. Quem me lê desde sempre sabe quem sou. Conhecem o tom. E que foi isso, na grande maioria dos casos, que fez com que gostassem e que fossem ficando, pelo que não posso estar sempre a sofrer por antecipação, a pensar no que vão achar de mim, se me irão odiar. Gozo com muita coisa, sou irónica com muita coisa, mas não tenho - nunca tive - um mau fundo. Dêem as voltas que derem, façam de mim o que quiserem, mas nunca farão de mim uma pessoa intrinsecamente má ou com vontade de lixar a vida ao próximo. No máximo, serei uma pessoa com um sentido de humor um tanto ou quanto peculiar. É disso que tenho muitas saudades e é isso que quero que este blog volte a ser. Aos que gosto, peço que vão ficando. Aos que estão indecisos, peço que dêem o benefício da dúvida. Aos que odeiam e só cá vêm destilar ódio, agradeço pelos pageviews mas... deixem-se disso, dediquem tempo a coisas que vos façam mais felizes. Porque por aqui, meus amigos, a tendência será sempre para piorar.

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