Ir a casa da minha mãe implica, quase sempre, trazer comida. "Queres levar este bacalhau no forno? Quero! Queres levar este resto de caldo verde? Quero! Queres levar umas bananas que comprei no mercado? Quero!". Não me faço rogada, todos os restos são mais do que bem-vindos, nunca se recusa comidinha da mamã (bem, agora tenho recusado algumas coisas mais calóricas). E então lá venho eu para casa, carregada de tupperwares que me enchem o frigorífico e me aquecem a alma. Não sei se vos acontece o mesmo, mas para a minha mãe os tupperwares são material sagrado, quase que abençoado pelo Santo Papa. Quando ligo à minha mãe, as duas perguntas obrigatórias são "como é que está o menino?" e "olha lá, quando é que me trazes os tupperwares?". Depois, com sorte, é capaz de perguntar se está tudo bem comigo. Primeiro o neto, depois os tupperwares (não necessariamente por esta ordem). Li algures que as mães até se podem esquecer do dinheiro que nos emprestam, mas nunca, NUNCA se esquecem dos seus tupperwares. A minha mãe não vive sem o seu património de plástico, acho até que começa a ficar nervosa quando eu demoro mais a devolvê-los. É nessa altura que parte para a ameaça, sem dó nem piedade.
Do género, "não te mando mais comida enquanto não me trouxeres os tupperwares que tens aí em casa". Hoje levei o apelo a sério, até porque já tinha mesmo muitos acumulados. Para terem uma ideia, enchi um daqueles sacos azuis da IKEA (sim, aqueles XXL). Não é por mal nem para infernizar a vida à minha mãe, é só mesmo porque me vai passando de ideia. Não tenho nenhum amor especial pelos tupperwares. Nem pelos dela nem por nenhuns. São feios (e vão ficando cada vez mais), ocupam espaço, não ficam bem em lado nenhum, têm todos os tamanhos e feitios, o que dificulta a arrumação, e há sempre, sempre, sempre uma puta de uma tampa que se some para todo o sempre... Enfim, não se pode dizer que os tupperwares sejam assim o supra sumo da loucura, um objecto altamente invejável, por isso não percebo a obsessão maternal. Eu desconfio, seriamente, que a minha mãe acredita que eu estou envolvida em alguma missão que implica dar-lhe sumiço aos tupperwares, e então vá de estar sempre a controlar minuciosamente o paradeiro das suas caixas (acho que já faltou mais para lhes inserir um microchip). Não se metam entre uma mãe os seus tupperwares, vão sair a perder, e se ela tiver que escolher um lado não pensem que fica do vosso. É que isto é gente que não se ensaia nada em cortar relações caso os tupperwares não voltem sãos e salvos ao lar que os viu nascer. Mas não pensem que é só enfiar tudo num saco, ao molho, como eu faço. Porque, se assim for, não se livrarão de ouvir comentários como:
- Isto não podia vir mais bem arrumado?
- Onde é que está aquele da tampa vermelha? (o tupperware que não devolvemos é sempre o preferido das nossas mães)
- E AS TAMPAS??? ONDE É QUE ESTÃO AS TAMPAS?
- Este tupperware não é meu, leva isto daqui! (uiiii, as mães odeiam saber que usamos outros tupperwares que não os delas. Então se desconfiarem que os ditos podem vir de casa da sogra, temos o caldo entornado)
- Então e o saco???? (se, por acaso, levamos todos os tupperwares certinhos, com as tampas e tudo e tudo, a atenção centra-se imediatamente no saco onde os ditos foram transportados).
Moral da história, não brinquem com coisas sérias. As mães professam o "tupperwarismo" e, como qualquer religião, não vale a pena questionar. Isto se não querem sofrer represálias, tipo cortes na alimentação. É devolver e calar.