Estão a ver a Lei de Murphy, aquela que diz qualquer coisa como "tudo o que puder correr mal, vai correr mal?". Pois, foi mais ou menos assim a minha primeira aventura na Meia Maratona de Lisboa, percalços atrás de percalços. Às oito e pouco da manhã estava no Hotel D. Pedro para apanhar o autocarro que nos levaria para a linha de partida, na ponte Vasco da Gama. Tudo muito bem, tudo muito bonito, tirando o ligeiro nervosismo que me acompanhava, assim como às minhas colegas de corrida. Falávamos de tempos, de expectativas, de não sabermos se íamos conseguir chegar ao fim... enfim, o normal. Levava comigo um casaco, porque estava um frio de rachar, e um saco com algumas coisas para o final da corrida: uma t-shirt para mudar, bateria para o telemóvel, etc e tal. Tinha lido algures que havia sítio para deixar os nossos pertences, por isso levava uma data de tralha comigo. Surprise, surprise, afinal não! Perguntei a um membro da organização onde podia deixar as coisas e ele disse-me que não havia recolha de equipamentos. Oi? Não? Como assim? A explicação que me deu foi que eu tinha um dorsal VIP, mas esse serviço só era fornecido aos dorsais Special VIP. Caraças, que até nestas coisas das corridas há filhos e enteados, com uns VIP mais VIP que outros! Comecei logo a ver a minha vida a andar para trás. Como é que ia correr 21 km com um casaco atado à cintura e um saco cheio de tralha?
Liguei à minha melhor amiga, que mora na Expo, e o telefone estava desligado (aparentemente há pessoas que gostam de dormir às nove da manhã). Liguei para o marido e lá me atendeu à terceira. Pedi-lhe encarecidamente que se encontrasse comigo algures no percurso, à saída da Ponte, para lhe deixar a tralha. Felizmente ele estava em casa e podia. Problema resolvido. Next.
Os dorsais VIP partem ligeiramente à frente dos outros, talvez uns 50 metros. De qualquer forma, e como nestas coisas já sei que há quem vá sempre a abrir, assim que deram o tiro de partida encostei-me imediatamente ao separador, à esquerda, para deixar passar quem viesse mais rápido. Tinha corrido uns 100 metros quando sinto um encontrão nas costas e fui imediatamente ao chão com toda a violência. Senti logo dores em todos os lados. Olhei para os joelhos, o esquerdo estava esfolado, o outro transformou-se imediatamente numa enorme bola de sangue. A mão esquerda também não ficou bonita. Apeteceu-me pontapear o gajo que me atirou ao chão, mas não ia adiantar grande coisa, por isso disse-lhe para continuar. Encostei-me ao rail, cheia de dores e com as lágrimas a quererem saltar. Quando as minhas amigas passaram por mim, disse-lhes o que tinha acontecido, mas decidi continuar. A minha vontade imediata foi desistir, não sabia como ia aguentar o percurso todo com os joelhos naquele estado, mas estava tão raivosa e enervada que decidi canalizar essa energia para a corrida. Não queria estar a parar para receber assistência médica, porque tinha medo que demorassem uma vida, por isso limitei-me a seguir em frente. Pensei que se os putos passam a vida a esfolar os joelhos e está tudo bem, eu também não ia desistir ao fim de 100 metros de prova, depois de me ter esforçado tanto. Percebi que não era nada de muito grave e lá fui. Quando caí, e não sei muito bem porquê, o iPhone deixou de dar música. E eu não consigo correr sem o impulso da música, ainda por cima uma prova tão longa. Abrandei o ritmo e fui ali uns longos minutos a tentar resolver o drama do iPhone que não dava música. Felizmente resolveu-se e pude retomar o ritmo. Por pouco tempo. Lembrei-me que tinha pensos no saco que levava às costas e decidi tirá-los, para pôr nas feridas assim que passássemos pelo primeiro abastecimento e eu pudesse limpá-las com água. Assim que tentei tirar o saco das costas percebi que estava todo enrolado nos phones e foi um 31 para conseguir separá-los. Que inferno, senhores, que inferno! Quando consegui resolver mais esse problema, estava já na saída da ponte e comecei a ansiar por ver o meu amigo para lhe deixar as coisas. O saco e o casaco estavam a incomodar-me cada vez mais. Entretanto, passei pelo primeiro abastecimento e pedi duas garrafas. Uma para beber e outra para limpar as feridas assim que encontrasse o meu amigo e pudesse parar um bocadinho. Porreiro, mais duas garrafas para carregar! Ao fim de um quilómetro avistei a minha melhor amiga com um cartaz e aquilo deu-me logo um boost de energia. Atirei-lhes as minhas coisas, limpei os joelhos o melhor que consegui, e lá voltei à estrada, com as feridas a arderem comó raio! Achei que era má ideia estar a pôr pensos, por isso limitei-me a correr. À medida que aquecia as dores passavam. Tirando a ferida da mão, que ardia sempre mais, as dos joelhos ficaram mais ou menos estabilizadas. Ia deitando água e a coisa acalmou. Pude, finalmente, começar a apreciar a corrida. E os primeiros 15 quilómetros foram espectaculares, nem dei por eles. Foram um passeio no parque e ia com um ritmo óptimo, a correr a uma média de 5,30/6 por minuto, algo espectacular para mim. Bati o meu recorde dos 10km (1h01min) e sentia-me mesmo, mesmo bem e comecei a pensar que, se calhar, ia conseguir acabar e num tempo abaixo do previsto (sempre a tentar não olhar muito para os joelhos, para não desmoralizar). A coisa começou a ficar mais difícil nos últimos três quilómetros. O meu máximo eram 16, por isso a partir daí era tudo desconhecido para mim, mas foi ali entre os 18 e os 19 que começou a custar mais. O último quilómetro, então, pareciam 10, não tinha fim à vista. Felizmente, os últimos dois quilómetros foram também os que tinham mais público a assistir e a puxar por nós. Quase desatei a chorar quando vi a
Catarina Beato ou sempre que alguém gritava por mim e me incentivava. As pessoas não fazem ideia do que isso significa para quem já vai ali em esforço há tanto tempo, é um impulso brutal. Quando avistei a meta deixei escapar uma lágrima de emoção e terminei com 2h21min. Talvez pudesse ter feito melhor se não tivesse tido tantos acidentes de percurso, mas ter terminado abaixo das 2h30, que era o que eu tinha previsto, para mim foi um feito ímpar! Claro que assim que parei fui imediatamente atacada pelas dores, mas ainda fui comer o geladinho a que tinha direito. Depois fui receber assistência médica e agora tenho um lindo penso no joelho e Betadine espalhado por sítios vários. Não vou mostrar fotos das minhas feridas, para não vos enojar, mas não estavam bonitas, garanto-vos. Fiquei à espera das minhas colegas da Meia e foi uma emoção receber cada uma delas. Todas, TODAS conseguiram cortar a meta, ninguém desistiu, o que prova que isto tem muito a ver com a cabeça e o coração, muitas vezes mais do que com a condição física. A sensação de dever cumprido é indescritível, assim como a sensação de ter conseguido superar-me e atingido um objectivo que, há poucos meses, me parecia uma impossibilidade. E vendo agora, com algumas horas de distância, até me parece que foi facílimo (esquecendo as feridas que continuam aqui a chatear). Não foi, só parece. E agora é descansar e começar a pensar no próximo desafio. Talvez a Maratona, quem sabe? =)