Quantcast
Channel: A Pipoca Mais Doce
Viewing all articles
Browse latest Browse all 3559

Ainda o Dia do Pai

$
0
0

Esta foto está na minha mesa de cabeceira e gosto muito dela. Por vários motivos. Porque estou com o meu pai, claro. Porque foi há 25 anos (tinha eu oito). Porque estava feliz, como se vê. E porque foi tirada no Jardim do Príncipe Real, onde cresci, onde aprendi a andar, onde andei de triciclo e bicicleta, onde esfolei os joelhos, onde fiz amigos, onde passei muitas e muitas tardes e manhãs, numa altura em que os putos podia andar à vontade num jardim público, em que iam e voltavam para casa sozinhos, a pé. Depois, claro, gosto muito do meu penteado e da minha falta de dentes. A minha mãe, não contente por ter uma filha desdentada, achou que também devia cortar-lhe o cabelo assim. Está certo. Tenho muitas, muitas saudades desta época em que era imensamente feliz. Hoje também sou, mas de maneira diferente. Nesta altura não tinha preocupações de espécie alguma. Nada que fosse além de ter boas notas na escola (que eu adorava), de ler a revista da Rua Sésamo ou esperar pelo Agora Escolha para ver a Ana dos Cabelos Ruivos. Mas voltando ao meu pai, que nesta foto tinha 45 anos e umas alpergatas muito à frente. Como (quase) toda a gente, não consigo escolher entre pai e mãe. Mas o meu pai... com o meu pai as coisas sempre foram diferentes. Com o pai nunca houve grande margem para disparates (a mãe sempre foi muito mais permissiva), mas também é a pessoa com um dos melhores sentidos de humor que conheço. Quase nunca ninguém sabe se está a falar a sério ou a gozar (pois, foi deste lado da família que herdei a ironia). O meu pai é o maior, claro. O melhor do mundo. Fez tanto, tanto, tanto pelos filhos que podia viver 350 anos que não seriam suficientes para retribuir. Sempre foi trabalhador, dedicado à família, sempre fez tudo por nós, sempre nos deu tudo na medida do possível. E sempre nos soube dizer não e explicar porquê, algo que valorizo muito e que espero conseguir passar ao Mateus. Quando lhe pedia alguma coisa que não era possível, explicava-me porque é que não podia ser, mas dizia que talvez no mês seguinte, ou dois meses depois, que ia ver com a mãe e orientar as contas. E raramente falhava uma promessa. Não tive uma infância recheada dos brinquedos mais modernos ou da última Barbie do mercado, mas tinha tantas outras coisas boas que, percebo agora, isso não interessava nada. Fui uma privilegiada em muitas outros aspectos, como ter um pai que arranjava tempo de qualidade para passar com os filhos, que nos arrancava de casa para ir andar de bicicleta, que nos levava para o estádio Nacional e para o parque do Alvito para apanharmos ar puro, que nos levava ao futebol aos domingos, que sempre insistiu para que fizéssemos desporto (e que durante uma década me acompanhava duas ou três vezes ao antigo estádio da Luz, onde tinha aulas de ballet, sempre de metro, que andar de carro era um luxo), que sempre foi muito exigente com a nossa educação (nas férias deixava-me sempre testes feitos por ele, das mais variadas matérias), que sempre quis que não fôssemos medianos e que nos aplicássemos ao máximo nas coisas em que nos metêssemos. É um homem cheio de qualidades, rígido em muitas coisas, pouco ligado aos sentimentos, mas que sempre nos encheu de amor, que nunca nos falhou em nada. Deu-me muitos e muitos sermões ao longo da vida (ainda dá), sempre foi exigente e detalhista, extremamente organizado e pouco paciente com as falhas alheias, amigo do seu amigo mas pouco tolerante para com quem o desiludisse. Não mudou muito. 25 anos depois desta foto, o meu pai continua a ser o pilar mais importante da minha vida. Não dou um passo sem lhe pedir primeiro a opinião, não passo um dia sem falar com ele e continua a ajudar-me tanto, de tantas formas, que continuo sem saber como agradecer. Sei que o melhor presente que lhe dei foi o Mateus (até porque ele achava que nunca ia ter netos), sei que adora tê-lo lá por casa todos os dias, sei que adora dar-lhe abraços e contar-lhe histórias e puxar-lhe os pés, só para o ouvir guinchar. Ontem, ao longo do dia, entre muitas declarações de amor de filhos aos pais, também fui lendo a de alguns filhos que já não têm o pai presente, e não pude deixar de lhes tomar um pouco as dores. Porque tento pôr-me no lugar deles e até me falta o ar. Porque não sei como será possível viver sem o meu pai, não sei como será não lhe poder ligar e ouvir um "então, meu amor?" ou um "então, filhota?". Não sei se já disse, mas o meu pai é o melhor do mundo.


Viewing all articles
Browse latest Browse all 3559