Eu já tinha lido em vários sítios que a gravidez provocava algum esquecimento e confusão mental, mas não levei a coisa muito a sério. Até, claro, ter começado a misturar datas, a ir à cozinha buscar qualquer coisa e, a meio do caminho, esquecer-me do que ia fazer, ou dizer uma coisa e estar a repeti-la ao fim de cinco minutos. É um bocadinho assustador sentir-me assim, meio alzheimeriana, mas tenho fé que isto depois passe. Ainda assim, sei que mesmo no pico da minha destrambelhice, jamais baterei o meu homem no que toca a esquecimentos. Às vezes sinto que casei com a Dori. Já perdi a conta à quantidade de vezes que se esqueceu ou que não encontra a carteira, os óculos de sol, o cartão do trabalho, o livro que estava a ler, etc e tal. Sempre que saímos de um café ou de um restaurante tenho de passar revista à mesa para garantir que não ficou lá nada. Porque o homem levanta-se e lá vai à sua vida, deixando tudo para trás. Se chega a uma loja pousa os óculos no balcão, como se estivesse em casa, e depois vem-se embora e eles lá ficam. O que vale é que tem tanto de despassarado como de sortudo, porque quase sempre volta a encontrar as coisas que perde. O caso mais recente que comprova que é uma pessoa cheia de sorte foi há poucos dias. Estávamos a sair de casa e eis que me parou com um "espera lá, não sei da chave do carro". Ah, porque também convém explicar que o homem é pouco dado a porta-chaves, anda com as chaves soltas, uma coisa que dá imenso jeito, e quando chega a casa pousa-as em qualquer lugar. Tanto pode ser logo no hall como na mesa da cozinha ou no escritório. Bom, mas estava eu a dizer que, pela enésima vez, não sabia das chaves do carro. Ao fim de sete minutos, e já a exasperar, comecei também eu a revolver a casa toda. Acho que até dentro do frigorífico eu espreitei, porque com a Dori nunca se sabe. Ficámos, sem exagero, uma meia hora à procura da porcaria da chave, até que resolvemos desistir. Ainda assim, quando chegámos à rua, sugeri-lhe um "vai lá ao carro ver se, por acaso, não deixaste para lá a chave". Já sei do que a casa gasta. Acho que ainda o vislumbrei a encolher os ombros, como quem diz "também não sou assim tãaaaaaaaaaao despistado", mas só para não me ouvir, lá foi ele. E, claro, lá estava a chave. Caída no tapete. Portanto, esta pessoa acha perfeitamente normal sair do carro, não o trancar, não trazer a chave e só o descobrir no dia seguinte. E tem a imensa sorte de não ser assaltado. De facto, há coisas fantásticas...
↧