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Channel: A Pipoca Mais Doce
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A confusão que para aqui vai

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Às vezes a pessoa escreve sobre um qualquer tema que lhe parece interessante e, vai-se a ver, e a malta liga zero. Perde-se tempo a pensar naquilo, achamos que pode dar origem a um qualquer debate proveitoso, mas depois nada, pouco ou nenhum feedback. Quase 15 anos depois, ainda me custa um bocadinho perceber o que tem ou não impacto nos leitores, o que lhes prende a atenção, o que os motiva a comentar e a envolver-se (saudavelmente) na discussão. E concluo que sei pouco ou nada. Porque quando faço um post que, à partida, me parece absolutamente inócuo ou que não dará azo a grande conversa, de repente monta-se todo um carnaval e chovem comentários. 

Foi o que aconteceu com este post, sobre acessórios de praia para os miúdos, uma coisa que se queria absolutamente inocente e pacífica. Como sempre, também desta vez fiz uma introdução entre o irónico e o sarcástico, manifesta e propositadamente exagerada, para descrever essa maravilha que é ir com crianças para a praia. Pronto, foi um forrobodó que deu
para tudo: dissertações sobre pedagogia e educação, vários momentos "o-meu-filho-é-mais-educado-que-o-teu", disputas entre os adeptos do "crianças em todo o lado" VS adeptos do "crianças o mais longe possível", teorias/insinuações sobre o estado do meu casamento, gente a dizer que há limites para a ironia (esta aqueceu-me o coração) e até a sugestão de que eu devia ser alvo de um case study, já que é estranhíssimo ter filhos e não curtir crianças até no geral (inédito!). Eu só queria que ficassem a conhecer toalhas de praia e fatos-de-banho giros, como é que de repente se transformaram todos em Freuds de trazer por casa?

Mas pronto, vamos a isto. Ora bem, como dizer isto de forma a não fazer chorar as almas mais sensíveis? É possível, sim, termos filhos e isso não ser factor suficiente para nos fazer adorar TOOOOOODAS as crianças do mundo. Vamos lá, convençam-se: não são todas queridas, fofinhas, amorosas, espertas, bem comportadas, interessantes, divertidas. Exactamente como os adultos. O facto de gostarem dos vossos maridos/mulheres/pais/amigos faz com que gostem de todos os outros crescidos que gravitam à vossa volta? Não? Pronto, então com os putos é o mesmo. Uns são fixes, outros não são, de uns gostamos, outros limitamo-nos a tolerar. É a vida. 

Depois, entrando especificamente no mundo praia. Eu não sei quanto a vocês, mas eu sempre adorei praia. Adoro estar deitada a ler, a ouvir música, ir à água, fazer caminhas de uma hora, degustar bolas de Berlim, estar só a olhar para lado nenhum. Ora com filhos pequenos, tudo isso fica a modos que inviabilizado. Porque eles querem atenção, porque querem alguém que partilhe as brincadeiras, porque precisam de pôr protector, e de comer, e de ir à casa-de-banho, e não podemos distrair-nos, porque há perigos vários à espreita, e temos de levar muito mais tralha, e temos de garantir que não estão a atirar areia aos vizinhos do chapéu do lado. Portanto, não é a mesma coisa. 

Na verdade, praticamente nada na vida sem filhos se mantém igual na vida com filhos. Mas há coisas que nos deixam mais saudosistas do que outras. Para mim, idas às praia encontram-se entre estas coisas, mas para vocês podem ser outras. Tipo, sair à noite, dormir até às quatro da tarde a um sábado, conseguirem ver um filme sem serem interrompidos 47 vezes, poderem ir a um restaurante sem estar sempre a repetir, qual mantra,  "tu-está-me-sossegado-se-faz-favor". Se isso faz de nós piores pessoas, maus pais ou pessoas que querem eliminar as crianças do mundo? Não, faz apenas de nós pessoas que não perderam o discernimento e que mesmo reconhecendo que os filhos são a melhor coisa do mundo, ainda se lembram bastante bem das coisas boas que (também) havia na vida AF (antes dos filhos).

Parece que já estou a ver os argumentos "ahhh, mas se querias manter a tua vidinha tal como estava então não tinhas filhos!" Não, pessoas com fraca capacidade de interpretação da língua portuguesa, não foi nada disso que se disse. Nem é isso que as pessoas, genericamente, sentem. Na verdade, conheço muita gente que sente falta de um ou outro aspecto da vida AF, mas não conheço uma única alma que diga "eh pá, se pudesse devolvia os putos, preferia a minha vida como era". Resumindo: gostamos MUITO dos nossos filhos e a nossa vida com eles é indubitavelmente melhor, mais rica, mais preenchida, mas isso não é incompatível com podermos sentir saudades de algumas coisas. Toda a gente se adapta quando os filhos chegam. Há coisas que temos de fazer por obrigação e que não amamos, há coisas que desconhecíamos e que descobrimos que adoramos, há coisas que só fazem sentido em família e que nos dão mesmo prazer, há coisas que são uma seca descomunal... há de tudo. Mas, para algumas pessoas, parece que é um crime admiti-lo. Ou ouvir outras pessoas admiti-lo. Lá vem o dedinho acusatório: "egoístas", "maus pais", "anti-criancinhas", toooodo um blá blá blá de fazer revirar os olhos.

Posto isto, deixem-me lá achar que a praia com putos é muito mais secante. Gostam de fazer castelos na areia durante sete horas consecutivas? Gostam de não conseguir sentar o rabo na toalha durante mais de três minutos consecutivos? Gostam de alombar com o brinquedame todo deles? Gostam de ter de estar sempre em modo radar, não vão eles lembrar-se de desaparecer entre a multidão ou atirarem-se para a água assim à maluca? Pronto, óptimo, fico genuinamente feliz por vocês, juro que sim, também gostava de partilhar esse vosso positivismo. Mas, para já, para já, continuo a preferir ir sozinha, com a minha cadeirinha, o meu livro, as minhas cenas. Umas vezes dá, outras não, é o que temos. Mas não se enervem, hã?

PS.: quanto aos temas "educação" e "comportamento na praia", se calhar fica para outra altura. Mas dizer que já obriguei o Mateus a ir pedir desculpa por ter feito uma pá voar praticamente contra a cabeça de uma senhora e ela ter ficado super incomodada, do género "por amor de Deus, é só uma criança", como se fosse eu que estivesse errada. E acho mesmo que o grande problema de muitos pais é este, verem os pequenos monstrengos em modo selvagem, encolherem os ombros e pensarem "oh, coitadinhos, são só crianças adoráveis, precisam de correr, levantar areia, atirarem-se em bomba para a água, berrar desalmadamente e transformar a vida das outras pessoas num pequeno inferno. São só crianças. Fofinhos". 

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