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Channel: A Pipoca Mais Doce
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Grávida-queixinhas #3

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Olhando assim de fora, acho que sou uma grávida relativamente fixe. Passada a fase dos enjoos-horribilis - e aí sim, queixei-me já pelos próximos 50 anos - acho que até não sou dada a grandes lamúrias ou exigências (prova disso é que este é só o terceiro "grávida-queixinhas" em seis meses). Na verdade, acho que devia abusar muito mais da minha condição de grávida para não mexer uma palhinha. Este segundo trimestre tem sido bastante tranquilo, bem melhor do que o primeiro. Já não tenho aquela vontade permanente de me arrastar, aquele sono de idosa de 87 anos, aquela falta de energia que me fazia variar apenas entre a cama e o sofá, a incapacidade de comer muito mais do que tomates crus, assim como se fossem maçãs (entretanto a lontra já come tudo novamente)... enfim, está tudo bem mais calminho. Ao ponto de às vezes até me
esquecer que estou grávida. Durante o dia a miúda mal se mexe,  a sonsa. Espera que eu me deite para começar o arraial de pontapés. Os meus rins têm sido vítimas de violência doméstica ao mais alto nível. É que é certinho, é eu deitar-me e ela passa-se da cabeça. Deve pensar qualquer coisa do género "então?? Estás quieta por quê? Levanta-te! Anda! Vai a sítios! Vamos embora mexer esse rabo, que não está propriamente pequeno. Anda, gorda! Corre".  Durante o dia é que ela está bem, sempre embaladinha de um lado para o outro, nem se dá por ela, uma jóia de moça.

Quase, quase a entrar no terceiro trimestre, começo a sentir uma ligeira limitação de movimentos. Já me custa um bocado baixar (tipo, para atar sapatos), dar banho ao Mateus, pegar-lhe ao colo é para esquecer, carregar cenas pesadas idem. Como o Mateus nasceu prematuro acho que agora também tenho uma certa tendência, nem sempre muito consciente, de ter mais alguns cuidados. Mas continuo a fazer a vidinha de sempre, sem grandes stresses. No outro dia, no curso de preparação para o parto (que já tinha aqui dito que estou a fazer no Centro do Bebé), falava da necessidade de a grávida usar uma coroa. E não era metaforicamente, é mesmo ter uma coroa lá em casa que enfia na cabeça sempre que sente que atingiu o seu limite e não lhe apetece fazer mais nada. Gosto desse conceito. Não sei se é muito exequível - sobretudo quando já se tem mais filhos - mas sou menina para adoptar.

Portantossss, a pessoa chega a casa e não quer mexer uma palhinha. Pega na sua coroa - que não precisa de ser daquelas mesmo como as das rainhas, com 452 quilos de pedraria, uma de dois euros da Tiger cumpre o mesmo efeito - e bota-a na cabeça. A partir daí, é como se estivesse coberta por um manto de invisibilidade. Não falem com a grávida, não interajam, não lhe toquem, não nada. Esqueçam que ela está ali. Nada de perguntas tipo "descongelaste bifes de peru para o jantar?". Shhhhhh, a grávida não quer saber desses probleminhas mundanos, a grávida está de coroa na cabeça, mais explícito do que isto só se tivesse pendurado ao pescoço um daqueles cartões a dizer "não perturbar". E então lá fica ela. Espojada no sofá. Ou na cama. Ou num banho de imersão. Indiferente ao caos que se pode estar a gerar à volta dela. A grávida não quer saber se o marido se está a ver aflito para estrelar um ovo. A grávida não quer saber se o outro filho está a tentar espetar um garfo no olho do cão. A grávida não quer saber se há 43 mil mails à espera de resposta no computador. A grávida está de coroa, o mundo que se fod*, desamparem a loja da grávida.

Era ou não era uma ideia bonita? Estou muito tentada a experimentar, mas por tempo prolongado. Ou seja, ponho a coroa hoje e só a tiro quando a criança sair de casa, lá para os 35. Parece-me óptimo.

PS.: aproveito o modo queixinhas para dizer que o exame da glicose é, provavelmente, das maiores provações pelas quais uma grávida tem de passar. Para quem nunca ouviu falar de tal coisa (abençoados sejam), é um teste que consiste em tirar sangue, beber uma mistela de 75 gramas de glicose com um sabor muito parecido a Super Pop Limão, tirar sangue ao fim de uma hora e depois tirar novamente sangue ao fim de duas horas. O objectivo é medir a quantidade de açúcar no sangue e evitar uma potencial situação de diabetes gestacional, mas o grande desafio mesmo é não vomitar aquela merda toda. Imaginem o que é estarem em jejum e, de repente, enfiarem no bucho o equivalente a uns 50 mil pacotes de açúcar. O organismo até fica meio abananado com tamanha violência. O passo seguinte é ter de controlar o anjo e o diabo que se instalam na nossa cabeça. O primeiro a dizer "tu és forte, tu consegues, não te esqueças que se vomitares vais ter de repetir o exame todo" e o cabrão do diabo a dizer "como é que estás a conseguir aguentar os enjoos? Manda isso cá para fora! Vá, sem medos! VO-MI-TA! VO-MI-TA! VO-MI-TA!". Não é fácil, meus bons amigos, a pessoa fica ali num dilema. O enjoo é tão grande que, de facto, ocorre-nos que a única solução para acabar com aquilo é mesmo botar para fora. Mas depois a ideia de ter de repetir tudo também não é fixe. No meu caso, optei por me deitar em plena sala de espera (já tinha feito o mesmo na altura do Mateus), até que uma funcionária, perante o meu ar esverdeado, teve a enorme bondade e simpatia de me deixar deitar num gabinete. Um grande bem-haja. Fica aqui o meu apelo/desafio à comunidade médico-científico-coiso: inventem qualquer coisinha mais fácil para fazer este teste, porque isto é pior do que o parto.

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