Começo por uma rectificação: o título mais acertado para este post seria um "é preciso NÃO falar disto", porque era o que fazia sentido. Ou um "a sério que ainda é preciso falar disto?". Fazia sentido alterar o nome da rubrica, só desta vez, porque é mesmo disto que o país precisa: que não se fale mais das gravidezes da Carolina Patrocínio, da quantidade de exercício que a Carolina Patrocínio faz, da rapidez com que a Carolina Patrocínio recupera a forma. Quantas? Quantas crianças mais é que a mulher precisa de pôr no mundo para que se ponha fim a este tormento? É que já vamos na terceira e ainda há surpresa, ainda há choque, ainda há comentários de fazer bradar a Nossa Senhora dos Partos Santos e das Barrigas Tonificadas. Acabem com isso, pessoas. Porque - e longe de mim estar aqui a meter o nariz em útero alheio - eu desconfio que a Carolina ainda há-de ter mais um ou dois rebentos, por isso era bom que o país sossegasse e não sofresse mais com isso.
Os meus comentários preferidos sobre esta temática são aqueles que afiançam "isso não é normal". Ahhh, a normalidade, esse conceito tão unânime e que faz tanto sentido, não é? Vamos lá saber, que raio é isso de ser ou não normal?
O que é uma gravidez normal, um parto normal, um pós-parto normal? Aparentemente, para a maioria das pessoas, praticar exercício até cinco minutos antes de se parir é uma aberração. Assim como ir ali à maternidade ter um filho e sair fresca e fofa, como se tivesse ido só ao spa do Ritz fazer uma massagem de pedras quentes. Ou ter uma criança e ao fim de dois dias já estar de volta à rotina de treinos. Como se não bastasse, com um corpo tão bom ou melhor do que aquele que se tinha antes da gravidez. Esta é a normalidade da Carolina, uma coisa que faz comichão a muita gente.Agora vou falar-vos da minha normalidade. Então, para mim o normal é não ser grande apreciadora de exercício físico e ver na gravidez a desculpa perfeita para não mexer o cu durante nove meses. Ando há cinco meses a dizer que vou para a hidroginástica (com 67% das septuagenárias da Grande Lisboa), que é aquele desporto que não aquece nem arrefece, a única coisa que faz mais ou menos bem é à consciência. Quantas vezes é que já fui? Zero. Ora porque não tenho fato-de-banho, ora porque não sei da touca, ora porque tenho as pernas mais peludas do que as sobrancelhas da Frida Khalo, ora porque está frio, ora porque está de chuva e ainda me constipo (mesmo que a piscina seja interior), ora porque hoje não sinto os chakras alinhados, por isso é melhor ficar em casa. Moral da história, metade da gravidez já lá vai e eu não pus um pé no ginásio.
Depois entramos na parte dos cuidados com a alimentação, que têm sido assim muito poucos ou nenhuns. Verdade que passei uma boa parte destes últimos meses a vomitar a alma, mas verdade que também tenho enfiado muita porcariazinha neste bucho. O critério é: apetece-me? Então siga. Verdade que também (ainda) não estou a engordar como uma porca, por esta altura na gravidez do Mateus já levava mais três quilos em cima do lombo, mas podia ter uma alimentação mais equilibrada e não estou a ter. Porque, lá está "isto são só nove meses".
Quanto ao pós-parto... bem, vejo as minhas fotos na maternidade e parecia ter sido atropelada por uma manada de bisontes em fúria. Inchada, de óculos, com o cabelinho numa miséria, queria cá eu saber de brincos ou maquilhagem. Naquela altura, muito provavelmente, devia estar a tentar corromper as médicas para me injectarem mais duas ou três doses de epidural ou qualquer outra droga que me fizesse esquecer as dores da cesariana. Quanto a voltar ao exercício, só mesmo oito meses depois, e muitíssimo contrariada, a arrastar-me como se fosse a caminho da crucificação, praticamente a chorar lágrimas de sangue.
Portanto, esta foi a minha normalidade. É mais certa do que a da Carolina? Tenho sérias dúvidas. Provavelmente haverá mais gente a rever-se neste cenário de lontrice, mas isso está longe de significar que seja o mais correcto. Para mim, a normalidade da Carolina também não serve. Porque não treino desde sempre, como ela, porque o meu corpo não está habituado àquela intensidade toda, como o dela, e porque, infelizmente, não tenho um décimo do gosto que ela tem pela actividade física. Mas parem de achar que ela é uma irresponsável que não sabe o que faz. A mulher já teve três filhas, todas de termo, todas com pesos óptimos, todas absolutamente saudáveis, é uma pessoa informada, é uma pessoa com acompanhamento médico, mas há sempre almas a dizer que "não é normal" treinar tanto, que "não é normal" não dar descanso ao corpo, que "não é normal" correr grávida. Pessoas, a sério, calem-se um bocadinho, os meus ouvidos sangram de vos ouvir. Não é de admirar que ela só tenha revelado este gravidez ao mundo aos sete ou oito meses, para não ter de estar a ser bombardeada com alarvidades o tempo todo. Tivesse eu aquele corpo e aquela capacidade de "esconder" crianças e acho que só anunciava quando os putos cá estivessem fora. Tipo "surpresaaaaaaa, mais um!".
Para a maioria das mulheres, a vida da Carolina (sobretudo no que toca à maternidade) não é normal porque poucas ou nenhumas têm aquele espírito de iniciativa, de sacrifício, de motivação. Quantas saltam da cama todos os dias às seis da manhã para ir treinar, faça chuva ou faça sol? Eu sei, eu sei, há todo um rol de desculpas já aí pronto na ponta da língua. "Ah, mas eu não tenho tempo/dinheiro/quem me fique com os miúdos". Já sei isso tudo. E sei também que muitas de nós, mesmo que tivéssemos isso tudo, continuaríamos a não treinar com o mesmo afinco. Ela até em casa treina, sozinha, enquanto a bebé dorme. Quem é que tem pachorra para isso? Pois, ninguém. Para ela também não deve ser normal ver mulheres que se deixam engravidar 20 ou 30 quilos na gravidez. Ou, pior, mulheres que dizem que têm excesso de peso porque tiveram um bebé. Há 14 anos. Mas é a vida.
O corpo da Carolina é o resultado de uma vida inteira de dedicação, de algo que lhe dá realmente prazer mas que também implica um espírito de sacrifício que quase ninguém tem. Olhem, eu não tenho. Por isso bem me posso queixar que não tenho um rabo firme ou uns abdominais definidos, enquanto enfardo mais um pacote de amêndoas de chocolate com o rabo bem acomodado no sofá. Que as pessoas não apreciem ou, pior, que não percebam o estilo de vida dela é uma coisa. Mas que venham de dedinho espetado, sempre com a mesma merda de conversa, já é só um tédio. E, claro, acho que a Carolina depois também se vinga rebolando aquele corpinho sem um grama de gordura na cara das inimigas. Ai, acham isto pouco normal? Então tomem lá mais uma dose de pranchas e abdominais depois de parir há meia hora.
Eu dava um rim para viver as gravidezes como ela vive as dela. Para ter o corpo do antes, do durante e, sobretudo, do pós. Alguma vez fiz alguma coisa por isso? Não, zero. Então só me resta ficar caladinha, a espumar de inveja e a desejar, secretamente, que a massa gorda dela suba aí para os, vá, 14%.