Já com uma casa em vista (figas! Façam muitas figas!) começou agora a fase de fazer a peregrinação pelos vários bancos para ver qual será o sortudo que nos irá conceder um crédito. Sim, gosto de ver sempre o copo meio cheio: não somos nós que temos a sorte de ter um banco que nos queira dar uma mãozinha, o banco é que vai ter o enorme privilégio de nos acolher no seu seio, de receber mensalmente a nossa esforçada contribuição*. Atitude! Atitude é o que é preciso.
Ontem comecei a tratar disso e, antes da primeira reunião, confesso que
sentia um certo nervosismo, mais ou menos como se estivesse a caminho de um exame da faculdade. Para começo de conversa, lixa-me esta coisa de não ser rica. Lixa-me, pronto, o que é que querem? E nem sequer digo "rica de capitais próprios", que seria, ter de trabalhar para ganhar dinheiro?** Eu vivia muito bem de rendimentos alheios, de heranças, preferencialmente à conta de um marido rico. *** Tinha tanto perfil para dondoca, tanto. ****. Mas não. Quis Deus que fosse um ser remediado, que tem de trabalhar (arrrggghhh) e que, tal como a maioria dos mortais, não tem dinheiro suficiente para bancar uma casa a pronto.
E perante este cenário eu começo logo a achar que assim que entro no banco já os senhores do mesmo estão a abanar a cabeça e a questionar todas as minhas escolhas de vida. Como quem diz "sim senhora, muito bonito, agora com 37 anos é que se lembrou de comprar casa. Agora que isto está tudo altamente inflacionado é que esta achou que era boa ideia. Bem dizem que as bloggers não devem muito à inteligência. ***** Blo-gger! Isto agora qualquer merda é profissão. E sempre toda pipi, sempre com boas carteiras, mas depois para comprar uma casinha anda aos caídos, se não for o banco a emprestar não tem onde cair morta".
Depois entramos naquela parte em que temos de lhes passar para as mãos o nosso extracto bancário, e lá começo eu a imaginar o que vai na mente dos senhores: "127 euros na Zara e ainda Janeiro vai a meio. Está explicado porque é que vai dar uma entrada tão miserável, eu até tinha vergonha de dar uma entrada destas. Olha para isto, a quantidade de refeições fora. Em vez de comer em casa, que sai tão mais em conta. Também não me admira, nem deve saber estrelar um ovo. ******". E a pessoa a ter de pôr o seu ar mais humilde e abnegado, sempre a responder "sim, senhor do banco", "tem razão, senhor do banco", "nunca tinha visto as coisas nessa perspectiva, senhor do banco", porque é esta gente que vai decidir se vamos ou não poder mudar para uma casa nova, por isso convém tratá-los nas palminhas. Isto enquanto nos enchem o cérebro de spreads, euribors, TAEGs e outras coisas que eu vivia bem sem conhecer.
E pronto, como podem ver, estou a adorar este novo mundo. Isso e a parte em que nos passam para a mão as 482 folhas com a simulação de crédito e ficamos a saber quão empenhados estaremos nos próximos 40 anos. A chamada "cordinha na garganta". Até parece que a consigo sentir aqui à volta do pescoço. Esta coisa de imaginar que só perto dos 80 acabarei de pagar uma casa (se lá chegar!) revolve-me o estômago de uma maneira que nem vos passa pela cabecita. Isso e o facto de ter de empenhar quase todas as minhas poupanças nisto. Eu gosto de saber que tenho o meu pequeno pé de meia no banco, a postos para qualquer eventualidade, lá sossegadito para o que der e vier. Pensar que esse pé de meia vai ficar substancialmente reduzido também me aumenta o nível cardíaco. E não é no bom sentido.
Decididamente, não estou preparada para o mundo dos crescidos. Parem o tempo. Quero voltar a ter onze anos, quando a única casa para a qual eu tinha de poupar era a da Barbie.
*ironia
** ironia
*** ironia
**** ironia
***** ironia (bem... quer dizer...)
****** verdade, mas só porque nunca tentei, não como ovos
***** ironia (bem... quer dizer...)
****** verdade, mas só porque nunca tentei, não como ovos