Todos os Verões me vem à memória uma cena que era o terror das minhas férias. Vocês, malta nova, não são desse tempo, mas muitos dos nascidos nos anos 70/80 devem saber do que falo. A tragédia que se abatia sobre mim dava pelo nome de “capa do carro” e consumiu-me ANOS de vida. Os tempos mudaram e ter um carro já não é o mesmo do que era há 30 anos. Agora é uma coisa absolutamente normal, usa-se o carro para tudo e até se troca de modelo com relativa frequência, mas no “meu tempo” a coisa piava mais fino.
O carro era para usar ao fim-de-semana, era quase um luxo. Nos dias normais, cada um fazia a sua vidinha a pé ou de transportes. Sempre andei em escolas perto de casa, os meus pais sempre trabalharam perto de casa, por isso o carro ficava estacionado à porta de casa (não tínhamos garagem) e ia-se ligando estrategicamente uma ou duas vezes por semana, só para garantir que o motor não berrava.
E, claro, para “proteger a pintura” (argumento do meu pai) o carro tinha de ficar coberto com a sua capinha. É verdade, o carro tinha uma capa cinzenta que o tapava completamente e que o protegia do sol, da chuva, de cagadelas de pássaros, de invasões alienígenas, de toda a espécie de intempérie. E tudo bem quando o carro só era usado ao fim-de-semana, não dava assim tanto trabalho pôr e tirar a capa, mas durante as férias era o terror. Vínhamos para o Algarve e o processo era mais ou menos este:
- Tirar a capa de manhã
- Ir para a praia
- Chegar à praia e pôr a capa
- Sair da praia e tirar a capa
- Chegar a casa para almoçar
- Pôr a capa
- Tirar a capa
- Ir para a praia
- Chegar à praia e pôr a capa
- Sair da praia e tirar a capa
- Chegar a casa
- Pôr a capa
Isto tooooooodos os dias, durante UM MÊS. Não importava que só fôssemos à praia durante meia hora, a capinha era sagrada, não fosse o caso de se levantar um qualquer tempestade de areia que danificasse a pintura. E não pensem que era só pôr e tirar, porque havia toda uma estratégia montada. A capa tinha de ser tirada de uma determinada maneira, dobrada meticulosamente e enfiada no porta-bagagens. Para voltar a pô-la era a mesma coisa, e apesar de todos os cuidados muitas foram as vezes em que a capa foi posta ao contrário e era preciso repetir o processo. Sem esquecer uma corda que estava presa numa ponta da capa, que se atirava por baixo do carro e que se prendia na outra ponta, para “não voar”. Toda a gente sabe que o Algarve é frequentemente assolado por tufões que levam tudo pelo ar, por isso mais valia jogar pelo seguro.
E era isto a nossa vida, põe capa, tira capa, põe capa, tira capa. Passava o ano a sonhar com as férias no Algarve, com as idas à praia, mas perdi horas de vida nesta brincadeira. Há anos que não vejo uma capa num carro. Não sei se as pessoas deixaram de ser neuróticas de se preocupar, não sei se as pinturas dos carros melhoraram substancialmente, mas sei que esse fenómeno morreu. Ainda bem, não deixa saudades.