Corria o ano de 2004 quando escrevi aqui neste blog um pequeno texto sobre a calçada portuguesa. Mais especificamente, contra a calçada portuguesa. Podem lê-lo aqui, é pequenito e despacha-se num instante, vocês também não têm assim taaaanto para fazer. Ora, nessa altura, dizia eu que ia começar a apresentar a minha conta de sapateiro à Câmara Municipal de Lisboa, porque a quantidade de sapatos que tenho todos lixadinhos à conta da calçada é assim para cima de muita. Como já se sabe, nestas coisas da política isto leva tudo muiiiiiiito tempo, mas nove anos depois eis que a Câmara deu ouvidos à minha reclamação e está mesmo disposta a acabar com a calçada portuguesa. Caaaaaaaaaaalma, não a vão arrancar toda, não se enervem nem larguem à pedrada, nas zonas turísticas fica tudo como está. Pronto, para mim, que trabalho no Chiado, esta acaba por não ser uma grande notícia, mas já é alguma coisinha. Claro que houve logo quem se insurgisse. Que era uma vergonha, que a calçada é uma imagem de Lisboa, que agora é que os calceteiros desaparecem de vez, que a cidade vai ser um manto de cimento e trá lá lá. Ora bem, eu tenho para mim que as únicas pessoas que apreciam verdadeiramente a calçada portuguesa em Lisboa são:
a) Turistas que acham tudo very beautiful e very typical porque só estão cá uma semana e depois voltam para as suas lindas terras onde é tudo plano;
b) Portugueses que NÃO MORAM em Lisboa;
c) Pessoas que, morando em Lisboa, SÓ SE DESLOCAM de carro (assim também eu!);
d) Homens. Assim em geral;
A calçada portuguesa é bonita? É, sim senhora.
É uma marca da cidade? É, sim senhora.
É prática? Não!
É funcional? Não!
A calçada é uma coisa digna de se ver, é um trabalho maravilhoso, ninguém diz o contrário. Fica linda em postais, eu própria tenho uns quantos cá em casa. Mas andar em cima dela, todos os dias, é toda uma outra conversa:
É uma marca da cidade? É, sim senhora.
É prática? Não!
É funcional? Não!
A calçada é uma coisa digna de se ver, é um trabalho maravilhoso, ninguém diz o contrário. Fica linda em postais, eu própria tenho uns quantos cá em casa. Mas andar em cima dela, todos os dias, é toda uma outra conversa:
Ponto 1: com a chuva é ver toda a gente a escorregar na calçada e a caírem que nem tordos. Não sei se há estatísticas sobre isso, mas a quantidade de pessoas que já deve ter partido um ou outro ossinho deve ser considerável. E se forem todas parar ao SNS, cheira-me que isto sai caro ao Estado;
Ponto 2: se a calçada portuguesa, só por si, já é um pavimento complicado, imagine-se numa cidade onde as ruas planas são poucas. Por aqui é tudo a subir e a descer, chegarmos ao fim do dia com os dentes todos é praticamente um milagre!
Ponto 2: se a calçada portuguesa, só por si, já é um pavimento complicado, imagine-se numa cidade onde as ruas planas são poucas. Por aqui é tudo a subir e a descer, chegarmos ao fim do dia com os dentes todos é praticamente um milagre!
Ponto 3: não é raro a calçada estar toda estragada, com pedras fora do sítio, tudo muito desarrumadinho. E depois lá está uma pessoa a tropeçar e a torcer pés. Nada fixe. Ou bem que é para manter as coisas em condições ou então não vale a pena.
Ponto 4: eu não queria voltar a insistir no assunto dos sapatos, mas vejo-me obrigada. Sobretudo cada vez que me lembro que os meus ricos Manolo que usei na boda estão uma lástima, dão dó só de olhar. E quem é que se responsabiliza por isto? Ninguém! Aliás, nem a marca, ah, e tal, não fazemos arranjos. Por outro lado, também ninguém se responsabiliza pelo stock de sapatos de salto alto que tenho ali parado no closet. Quem é que me paga o investimento? Hmmm? É revoltante este desprezo para com os sapatos do mulherio. Uma vergonha!!!!
Ponto 5: é impossível uma mulher conseguir manter um ar sexy enquanto se desloca na calçada portuguesa porque, invariavelmente, ou fica com um sapato preso, ou vai a andar nas pontas dos pés para não enfiar os saltos entre as pedras, ou vai ali tipo Jogos Sem Fronteiras a tentar contornar obstáculos. No meio disto tudo, não há sensualidade que resista. Mais uma estatística que devia ser feita: quantas lisboetas é que estão solteiras porque não conseguem andar de saltos e ficar suficientemente atraentes e boazonas?? Hmmmmm? Ah, e tal, casamentos de Santo António, mas depois ninguém olha para as questões básicas e prementes das mulheres da cidade. Se estão solteiras a culpa é da Câmara! REVOLTEM-SE! Tudo para a porta da Câmara a arremessar sapatos (de salto alto, claro, para doer mais) à cabeça dos deputados municipais!
Ponto 6: é impossível descermos uma rua (subir ainda vá!) sem irmos sempre com os nervos em franja, a pensar "ai, que tropeço", "ai, que caio", "ai, que fico com o salto preso". E, senhor presidente da Câmara, uma mulher já tem coisas suficientes na sua vida com que se preocupar, garanto-lhe, não precisa deste desgaste diário. A sério que não. A menos que queira que metade das mulheres da cidade comece a andar sob o efeito de calmantes, porque só assim uma pessoa consegue não maldizer a sua vida sempre que põe um pé na rua.
Posto isto, sim, toda eu sou a favor da substituição da calçada portuguesa fora das zonas turísticas. Mas, atenção, atenção, atenção, também não podem pôr um piso qualquer, assim à doida. Eu continuo espantada como é que as mulheres não são consultadas sobre estes assuntos, mas enfim. Tem de ser um piso com uma boa aderência, que tanto se adapte a solas de borracha como a solas em pele. Tem de ser liso, sem frechas onde os saltos se possam enfiar e convém fazer testes com várias mulheres de saltos para ver se não há perigo de escorregadelas ou entorses. O que eu gostava mesmo, mesmo era que se conseguisse criar um piso liso mas que replicasse a calçada portuguesa. Não se arranja alguém que trate deste assunto?
Ah, e não vale a pena dizerem que eu sou uma péssima lisboeta, que é precisamente por amar a minha cidade de paixão e gostar muito de nela passear que a gostaria de ver mais amiga das pessoas (e dos carrinhos de bebé, já agora).
Ponto 6: é impossível descermos uma rua (subir ainda vá!) sem irmos sempre com os nervos em franja, a pensar "ai, que tropeço", "ai, que caio", "ai, que fico com o salto preso". E, senhor presidente da Câmara, uma mulher já tem coisas suficientes na sua vida com que se preocupar, garanto-lhe, não precisa deste desgaste diário. A sério que não. A menos que queira que metade das mulheres da cidade comece a andar sob o efeito de calmantes, porque só assim uma pessoa consegue não maldizer a sua vida sempre que põe um pé na rua.
Posto isto, sim, toda eu sou a favor da substituição da calçada portuguesa fora das zonas turísticas. Mas, atenção, atenção, atenção, também não podem pôr um piso qualquer, assim à doida. Eu continuo espantada como é que as mulheres não são consultadas sobre estes assuntos, mas enfim. Tem de ser um piso com uma boa aderência, que tanto se adapte a solas de borracha como a solas em pele. Tem de ser liso, sem frechas onde os saltos se possam enfiar e convém fazer testes com várias mulheres de saltos para ver se não há perigo de escorregadelas ou entorses. O que eu gostava mesmo, mesmo era que se conseguisse criar um piso liso mas que replicasse a calçada portuguesa. Não se arranja alguém que trate deste assunto?
Ah, e não vale a pena dizerem que eu sou uma péssima lisboeta, que é precisamente por amar a minha cidade de paixão e gostar muito de nela passear que a gostaria de ver mais amiga das pessoas (e dos carrinhos de bebé, já agora).