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Channel: A Pipoca Mais Doce
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Hotéis sem crianças? Sim, mas...

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Quando o Mateus tinha uns oito ou nove meses tentei reservar um hotel para irmos passar o fim-de-semana e foi-me dito que não aceitavam crianças. Não fiquei minimamente incomodada. Na verdade, até pensei "olha que boa ideia, quando me apetecer ir para um sítio sem berros e sopa a voar é mesmo para aqui que venho". Mas, naquele fim-de-semana em específico, queríamos mesmo levar o Mateus, por isso pus-me em busca de outras opções e rapidamente as encontrei. Porque, feliz ou infelizmente, a oferta para famílias continua a ser bastante ampla e para todos os gostos. São infinitamente mais os espaços que contemplam as crianças do que aqueles que lhes vetam a entrada, e ainda bem que assim é. Mas eu - e falo exclusivamente por mim - gosto de saber que também posso ir para um sítio children free, onde não há saltos em bomba para a piscina ou sprints no restaurante. Não me lixem, sabe bem.

Vem isto a propósito de
algumas queixas que foram apresentadas recentemente na ASAE por pais que não gostaram de saber que o hotel X e Y não aceita crianças. Sentiram-se lesados, sentiram que estavam a interferir com a sua liberdade de escolha, sentiram que os filhos estavam a ser discriminados, e então vá de se manifestarem. A ASAE entrou em campo e aplicou algumas multas aos hotéis "infractores". Mas a verdade é que a legislação é pouco transparente sobre o assunto, um bocadinho vaga, não diz nem sim nem sopas. Se, por um lado, garante que "é livre o acesso aos empreendimentos turísticos", por outro assume que "a entidade exploradora ou responsável pelo empreendimento turístico pode recusar o acesso ao mesmo a quem perturbe o seu funcionamento normal". E é aqui que a coisa se complica, porque cada um lê isto como entende. E os proprietários de um hotel podem entender que as crianças perturbam o "funcionamento normal" do seu espaço e, por isso mesmo, barrar-lhes a entrada.

Pela parte que me toca, nunca vi a coisa como uma proibição mas sim como uma recomendação. Que acatei sem dramas. E acho que era assim que isto devia funcionar. Ao fazer uma reserva, seja por telefone ou pela net, os hóspedes deveriam ser sempre informados de que o hotel não é recomendado a menores de 12, ou de 16 ou o que for. Recomendado, não proibido. Mas isto entra aqui num patamar escorregadio, que é o de assumirmos que os pais, mesmo depois de avisados, vão perceber a mensagem e não se vão apresentar no hotel com os seus quatro filhos e ainda mais três sobrinhos que vieram passar o fim-de-semana. Felizmente, Portugal tem uma oferta de hotéis muitíssimo diversificada, de norte a sul, por isso qual é exactamente a necessidade de nos querermos enfiar com os putos num espaço todo fancy, e zen e só com 10 quartos e que está mesmo a pedir sopas e descanso? O mais provável é que nem os  putos se divirtam, nem os pais aproveitem, por isso talvez seja sensato escolher outro sítio, mais em conformidade com o "modo familiar". A esta altura já alguns de vós estarão para aí a dar saltos de indignação, do género "mas então eu não tenho liberdade de ir para onde bem quiser e levar os putos todos atrás, se me apetecer? Qué lá isso de não me deixarem entrar com o rebanho?". Eh pá, pois... Terem liberdade eu diria que têm, mas é só uma questão de bom senso. E é só pensar que a nossa liberdade, muito provavelmente, irá interferir com a dos outros.

Vocês conhecem-me de há muito. E não foi, de todo, por ter sido mãe, que de repente passei a achar que tudo o que os putos fazem é admirável, e  admissível e desculpável porque "coitadinhos, são só crianças". Do mesmo modo que também não acho que todos os comportamentos menos desejáveis sejam fruto de uma má educação. Não são. Por mais bem orientadinhos que sejam, os putos são imprevisíveis, gritam, fazem birras, atiram-se para o chão, correm, pulam, e nem sempre isso tem a ver com educação ou falta dela. Tem a ver com... serem putos. Falo pelo exemplar cá de casa. Não há uma vez que grite, faça birras ou tenha comportamentos menos aceitáveis que não seja chamado à atenção. É repreendido, quando se justifica é posto de castigo, nunca deixamos passar em branco berrarias ou faltas de educação. Mas, lá está, isso não significa que ele não tenha vontade própria e não se passe da cabeça só porque sim. Posto isto, e porque com três anos muitos dos comportamentos ainda são bastante voláteis e ao sabor do vento, somos nós que optamos por não o levar para determinado hotel ou para determinado restaurante. Adaptamos as nossas escolhas à idade e ao feitio dele e deixamos os outros programas para fazer sozinhos. Porque se a nós, tantas vezes, nos apetece enfiar-lhe uma rolhinha na boca para estar calado um segundo, imaginamos que os outros também não estejam para levar com esse filme. Sou um bocado nazi com isso, quando vamos a algum lado ando sempre em cima do Mateus para não chatear os outros (e Deus sabe como ele consegue alapar-se a estranhos).   Do mesmo modo que quando nós estamos sem miúdos também agradecemos muito não ter de ouvir guinchos  e choros alheios. Há tantos hotéis mesmo fixes para levar a criançada que, lá está, me parece despropositado querermos enfiar-nos em espaços que estão mesmo a pedir sossego. Mas, repito, isto deverá ser sempre uma recomendação e não uma proibição. Uma recomendação que ficará assente no bom-senso dos pais que, já se sabe, nem sempre é o mais apurado.

E porque é que eu acho que isto deve ficar apenas pelo campo da recomendação? Porque temo que a proibição possa ser um pressuposto para, de repente, os hotéis começarem a definir critérios mais perigosos a nível de exclusão. Hoje é um hotel que proíbe crianças, mas e se amanhã for um hotel que proíbe mulheres, ou homossexuais, ou ciganos ou negros? Se a lei assumir que cada um pode fazer o que quiser, será que não estamos a abrir a porta a comportamentos potencialmente discriminatórios? Lembro-me daquela cena do "A Vida é Bela", em que o Josué pergunta ao pai porque é que numa loja está um cartaz a dizer "entrada proibida a judeus e a cães". O pai, naquela eterna tentativa de lhe mostrar um mundo menos cinzento, diz que cada um faz o que quer, e que conhece uma loja de ferramentas onde não podem entrar espanhóis nem cavalos, e uma farmácia onde não podem entrar chineses nem cangurus. O miúdo acha aquilo estranho e responde "mas na nossa livraria pode entrar toda a gente". O pai diz-lhe que a partir de agora não, que também vão pôr um aviso à porta: "do que é que tu não gostas?", pergunta. "De aranhas? Ok,  eu não gosto de visigodos. A partir de amanhã vamos pôr "entrada proibida a aranhas e visigodos". =) Eu também acho que há sítios que não são apropriados a aranhas e a visigodos, mas proibi-los é capaz de ser excessivo. Por isso prefiro acreditar que as aranhas e os visigodos terão discernimento suficiente para perceber que há lugares melhores e onde poderão estar mais à vontade. Sem queixinhas à ASAE.





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