Não tivesse eu a profissão que tenho e acho que me desligava do mundo. Nada de internet, de redes sociais, de televisão, nada. Todos os dias bato com os olhos em notícias que me fazem estremecer a alma e pensar que este mundo está perdido. Se calhar é pensamento de velha (verdade que não vou para nova), mas já estou como o Pedro Paixão: viver todos os dias cansa. É só desgraças, crimes, tragédias, atrocidades. A mais recente é nacional e vem de Vila Flor, em Trás-os-Montes. Pois que parece que numa freguesia desta terra há gente que parou no tempo e dedica-se a actividades ancestrais e, vá, chamemos os bois pelos nomes, simplesmente nojentas. E inacreditáveis. Falo da "queima do gato", uma "tradição" inserida nas festas de São João, em Mourão. O nome da brincadeira não deixa margem para grandes dúvidas, mas eu explico: põem um gato dentro de um pote de barro, no cimo de um poste. Depois pegam fogo ao poste e o pote acaba por cair ao chão, com o gato a arder. Eu sou mais de Santo António do que de São João, mas achava que davam fogo a balões e não a gatos. O vídeo anda a circular por aí e mostra o gato em chamas e, óbvio, em grande sofrimento. Isto tudo perante o olhar dos populares que, escudando-se na desculpa de que é uma tradição, olham encantados (e impávidos) para a cena. Maravilha. Eu não sei, mas desconfio que a televisão já deve ter chegado há uns tempos a Vila Flor. Podiam ver novelas, podiam deixar o Goucha a gravar para verem à noite, sei lá, qualquer coisa que os mantivesse ocupados e longe destas práticas medievais. A sério, dar fogo a um gato? Acham isso mesmo giro? É que eu não consigo ver ponta de graça na coisa, acho só um gesto perfeitamente atroz e que, eventualmente, era divertido em 1540, quando não havia nada melhor para fazer. E, pergunto eu, nesta terra não há autoridades? Não há GNR? Não há ninguém que impeça esta barbaridade? E alguém vai pagar por isto ou vai ficar tudo em águas de bacalhau? A GNR tem andado particularmente activa no que toca a processar pessoas que publicam coisas anti-institucionais no Facebook, se calhar podiam aproveitar a onda e identificar os autores desta queima do gato. E, pelo caminho, todas as pessoas que estão só a ver de bracinhos cruzados.
A sério, como é que coisas destas acontecem em Portugal em pleno século XXI? Quem é que é sádico ao ponto de fazer e assistir a uma coisa destas? E se isto é uma tradição, há quanto tempo é que se prolonga? E como é que deixam? Eu juro que tento ter fé na humanidade, mas assim fica difícil.