A polémica do dia no Facebook (todos os dias há uma, já se sabe) está ligada à Time Out Lisboa que, no seu artigo sobre presentes de Natal, sugeriu um cão Labrador que custa 600 euros. A indignação instalou-se. Que é uma vergonha, que a revista devia promover a adopção e não a compra de animais, que isto era o mesmo que promover o tráfico humano, e rebébéu-pardais-ao-ninho. O tema é polémico e dá margem para discussões daquelas de muitas horas, com posições extremadas e gente que perde as estribeiras em menos de um fósforo. Faz-me sempre lembrar as discussões do parto natural vs cesariana, ou da amamentação vs biberão. Como sempre, defendo o que sempre defendi: liberdade de escolha, que cada um faça o que quer desde que isso não prejudique ninguém.
Percebo perfeitamente e apoio as razões de quem defende a adopção. Há milhares e milhares de animais institucionalizados, já se sabe que as instituições lutam diariamente para sobreviver (na maioria dos casos com a ajuda da caridade alheia) e, num mundo ideal, todos os bichos teriam um lar. Mas já se sabe que não é assim. Todos os dias há animais abandonados (rafeiros e de raça), todos os dias nascem animais sem nenhum controlo, todos os dias entram mais animais em instituições. Tudo certo (ou tudo errado) até aqui. Mas quando alguém decide ter um cão, também não é legítimo querer um que encaixe num determinado perfil e tenha determinadas características? Não depende muito do estilo de vida, do sítio onde se vive, dos membros da família (há crianças?), do tipo de personalidade que se quer? Não sendo uma ciência exacta, calculo que isso se consiga apurar de forma um bocadinho mais fácil com um cão de raça, sobretudo se ainda for bebé. Ou isso é tudo uma treta e não há personalidades nem características distintivas de raça para raça?
Como sabem, tenho um cão de raça e que foi comprado (ao criador). Sempre quis um Jack Russell, precisamente pelas características que me diziam ter:
um cão de porte pequeno, enérgico, brincalhão, extremamente inteligente e fácil de educar, dócil e maluquinho. Não o queria por ser giro (não é propriamente a raça mais bonita do mundo, é só patusco), mas por achar que esta raça em específico se adequava à nossa vida. Relativamente à adopção, conheço casos que correram bem e outros que correram mal. Há quem tenha ido buscar cães e esteja plenamente satisfeito, e há quem tenha ido buscar cães que são verdadeiros destruidores de lares e que geram até algum stress familiar. Calculo que isto aconteça por, em muitos casos, não se conhecer o historial do bicho. Mas claro que também pode acontecer com cães comprados, é sempre um totoloto. A raça pode funcionar como um indicador do que nos espera, mas é só mesmo isso, um indicador, não garante a 100% que vamos ter o cão com que sempre sonhámos.Neste tema da compra vs adopção, tenho sempre algumas perguntas. Perguntas essas que são feitas de forma totalmente inocente e por não lhes conhecer a resposta, não se ponham já aí a ensaiar insultos e a atirar pedras. São mesmo curiosidades por assumido desconhecimento do tema. Por exemplo:
- Se (cenário utópico) todos os bichos que estão em instituições forem adoptados, depois já se pode comprar?
- O que acontece às raças se não houver criadores? Extinguem-se?
- A reprodução dos bichos de raça é uma coisa má ou só é má se for para fins comerciais?
- Por outro lado, como é que os criadores podem garantir a continuidade das raças se não fizerem dinheiro com isso? Criar cães é uma fortuna, vão fazê-lo de borla? Ou isto poderia ser uma tarefa atribuída ao Estado?
- O que acontece aos bichos que estão em lojas e não são comprados? Vão parar a instituições?
- Os animais que estão em lojas merecem menos ter um lar do que os animais de instituições?
- Porque é que as pessoas que defendem que comprar animais é o mesmo que tráfico humano, e que equiparam os bichos às pessoas, depois ficam escandalizadas quando lhes sugerem que adoptem crianças em vez de terem filhos? (atenção que eu acho as duas teorias parvas)
Confesso que é estranho ver assim um cão, com uma etiqueta de preço, a ser sugerido como presente de Natal no meio de peúgas ou de perfumes. Sem dúvida que objectifica o animal, o transforma numa "coisa". E também acho que não se deve oferecer um animal de ânimo leve, só porque é giro. É um compromisso para a vida, não pode ser uma imposição. A ser oferecido, terá de ser a alguém que, efectivamente, o deseja e tenha vida para ele. Foi uma opção infeliz da Time Out, mas trabalhei na revista cinco ou seis anos e sei que a adopção de animais foi promovida e divulgada muitíssimas vezes, por isso esta crucificação não deixa de ser um bocadinho injusta, é tomar o todo pela parte. Ao final do dia, são sempre animais. Adoptados, comprados, o que verdadeiramente interessa é o amor que tem para se lhes dar.